Por Mauro Rebelo

Como trabalhar com cientistas

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No último texto, falamos sobre a importância de cientistas para a inovação na economia do conhecimento. E da importância de facilitar a comunicação entre cientistas e executivos para favorecer e acelerar a inovação, usando a infraestrutura básica que temos.

Nas corporações, um dos principais dilemas da inovação é o delicado equilíbrio entre a necessidade de maximizar os lucros a curto prazo (para atender aos anseios dos seus acionistas) e a necessidade de investir em inovações a longo prazo (para se manter competitiva e relevante). Esse dilema, comum especialmente nas empresas listadas na bolsa de valores, é conhecido como o “Dilema do quarto trimestre”, e descreve a pressão para que as empresas alcancem metas financeiras a curto prazo, em detrimento da inovação e investimentos a longo prazo.

Na academia, poderíamos dizer que o dilema é o mesmo, mas na outra direção: tempo necessário para realizar uma pesquisa científica e alcançar resultados pode ser longo e necessitar de grandes quantidades de recursos para compreender problemas complexos. É assim que avançamos o entendimento de questões complexas da natureza e humana. Mas esses projetos são difíceis de gerenciar, demonstrar resultados e por tanto de captar apoiadores e recursos. O que faz com que pesquisadores possam se debruçar sobre questões mais superficiais, simples e fáceis de acompanhar, mas que podem avançar pouco na compreensão de problemas complexos. A estratégia de dividir uma pesquisa longa e complexa em várias partes menores, que podem ser publicadas mais rápido, é chamada no meio, pejorativamente, de ‘Salame Science’.

Esses dilemas poderiam ser resolvidos com acadêmicos e executivos trabalhando juntos e aproveitando o que cada um sabe fazer de melhor:

Os cientistas acadêmicos possuem um vasto conhecimento e experiência em suas áreas de estudo, bem como uma abordagem metódica e rigorosa para a pesquisa. Eles também geralmente têm mais tempo e liberdade para explorar questões complexas e fundamentalmente desconhecidas. Por outro lado, os executivos corporativos possuem conhecimentos e habilidades para aplicar esses conhecimentos a problemas práticos e comerciais. Eles também geralmente têm acesso a recursos financeiros e humanos significativos e estão bem posicionados para implementar soluções eficazmente. Quando cientistas acadêmicos e executivos corporativos trabalham juntos, eles podem combinar essas habilidades e recursos para alcançar resultados mais significativos e impactantes. Isso pode incluir a descoberta e desenvolvimento de novos medicamentos, tecnologias e materiais, bem como a solução de problemas ambientais e sociais complexos.

Combinando os conhecimentos e habilidades de ambos, podem alcançar resultados mais significativos e impactantes, permitindo que as descobertas científicas sejam aplicadas de forma mais eficaz e eficiente na solução de problemas reais, ajudando a melhorar a sociedade e a economia. Além disso, a colaboração também pode fornecer benefícios para as empresas e universidades, como acesso a recursos e expertise adicionais, e a criação de novos mercados e oportunidades de negócios.

Mas existem várias barreiras para essa colaboração. A primeira é a falta de confiança em função das eventuais motivações comerciais das empresas ou da capacidade dos acadêmicos de entregar resultados práticos e relevantes; a proteção de propriedade intelectual, com acadêmicos  mais abertos com o compartilhamento de seus resultados e descobertas e executivos mais restritos, buscando proteger sua propriedade intelectual; as diferenças culturais nos valores e maneiras de trabalhar, já que acadêmicos tendem a ser mais independentes e valorizar a liberdade para escolher seus projetos, enquanto os executivos estão mais acostumados a trabalhar em equipe e seguir diretrizes e metas estabelecidas; a dificuldade de comunicação difícil, devido as diferentes “linguagens” da academia e da empresa; e finamente as diferenças de objetivos, com acadêmicos tendendo a se concentrar em avançar o conhecimento científico, e os executivos tendendo a se concentrar em maximizar o lucro

Então, é possível que cientistas da academia e executivos de empresas consigam trabalhar juntos em projetos conjuntos?

Existem muitos exemplos de colaborações bem-sucedidas entre cientistas acadêmicos e executivos de empresas que provam que sim, com ambos os lados se beneficiam dessa colaboração. Mas para funcionar um grupo tem que estar ciente dos desafios e dos dilemas do outro grupo. Para os cientistas, os principais dilemas são:

  1. Financiamento: um dos principais dilemas dos cientistas é a obtenção de financiamento para suas pesquisas. O financiamento pode ser difícil de obter, e os cientistas podem depender de verbas governamentais ou de universidades ou instituições privadas. Isso pode limitar as possibilidades de pesquisa e fazer com que os cientistas precisem se adaptar às necessidades dos investidores em vez de seguir seus interesses científicos.
  2. Tempo de pesquisa: outro dilema é o tempo necessário para realizar uma pesquisa científica e alcançar resultados. As pesquisas científicas podem levar anos, e os cientistas precisam ser pacientes e persistentes para alcançar seus objetivos. Isso pode ser desafiador, especialmente quando os cientistas sentem pressão para publicar resultados rapidamente.
  3. Credibilidade e validação: os cientistas precisam garantir a credibilidade de suas descobertas e garantir que seus resultados sejam validados por outros cientistas. Isso pode ser desafiador, especialmente quando os cientistas estão lidando com temas polêmicos ou com resultados inesperados. Os cientistas precisam ser cuidadosos para evitar a publicação de resultados falsos ou enganosos, e precisam seguir os princípios éticos para garantir a confiabilidade de suas descobertas.

Para os executivos, esses dilemas são:

  1. Risco vs. retorno: um dos principais dilemas para os executivos é equilibrar o risco e o retorno em suas decisões. Eles precisam ser capazes de avaliar o potencial de sucesso de um projeto contra os riscos potenciais, e decidir se é vale a pena investir. Isso pode ser desafiador, especialmente quando os executivos estão lidando com projetos inovadores que apresentam riscos desconhecidos.
  2. Curto prazo vs. longo prazo: outro dilema é equilibrar as metas a curto prazo e as metas a longo prazo. Os executivos precisam ser capazes de planejar estrategicamente e garantir o sucesso a longo prazo da empresa, enquanto também atendem às necessidades imediatas e à pressão dos investidores e acionistas.
  3. Inovação vs. estabilidade: os executivos precisam encontrar um equilíbrio entre inovação e estabilidade. Eles precisam ser capazes de encontrar novas oportunidades e inovar para garantir o sucesso a longo prazo da empresa, mas também precisam garantir que a empresa tenha uma base sólida e esteja preparada para enfrentar desafios econômicos. Isso pode ser desafiador, especialmente quando os executivos estão lidando com uma empresa já estabelecida e resistente à mudança.

Esses dilemas unilaterais, quando misturados levam aos seguintes conflitos:

  1. Tempo de pesquisa: o tempo necessário para realizar uma pesquisa científica e alcançar resultados pode ser muito longo, enquanto os executivos estão pressionados para alcançar resultados imediatos e aumentar o lucro. Isso pode levar a conflitos de interesses, com os executivos pressionando os cientistas para alcançar resultados rapidamente, enquanto os cientistas precisam de tempo para realizar suas pesquisas de forma adequada.
  2. Financiamento: A falta de financiamento pode ser um problema para os cientistas, enquanto os executivos precisam maximizar o lucro. Isso pode levar a conflitos de interesses, com os executivos buscando investir em projetos que garantam um retorno rápido e alto, enquanto os cientistas precisam de financiamento para realizar suas pesquisas de forma adequada.
  3. Direção de pesquisa: os cientistas geralmente têm liberdade para escolher o tema de suas pesquisas, enquanto os executivos precisam de resultados que beneficiem sua empresa. Isso pode levar a conflitos de interesses, com os executivos buscando direcionar as pesquisas para temas que beneficiem sua empresa, enquanto os cientistas precisam de liberdade para escolher o tema de suas pesquisas para avançar o conhecimento.

Para evitar esses conflitos cientistas deveriam tentar aprender mais com executivos, sobre suas vantagens competitivas:

  1. Foco no curto prazo: os executivos são frequentemente pressionados para alcançar resultados imediatos e aumentar o lucro a curto prazo. Isso pode ser conflitante com práticas do mundo acadêmico, onde a busca por novos conhecimentos e descobertas é o objetivo principal, e pode levar anos para ser alcançado. No entanto, os cientistas deveriam procurar adquirir o senso de urgência e planejamento estratégico, para alcançar resultados eficazes para seus projetos de pesquisa.
  2. Trabalho individualista: os executivos geralmente são responsáveis por tomar decisões e liderar projetos, e isso pode ser feito de forma individualista. Isso pode ser conflitante com práticas do mundo acadêmico, onde a colaboração e compartilhamento de conhecimento são fundamentais. No entanto, os cientistas deveriam procurar adquirir habilidades de liderança e capacidade de tomar decisões eficazes, pois isso é essencial para liderar projetos de pesquisa e alcançar resultados.
  3. Empreendedorismo: os executivos precisam pensar de forma empreendedora para tomar decisões eficazes e para garantir o sucesso de sua empresa. Isso pode ser conflitante com práticas do mundo acadêmico, onde o objetivo principal é o avanço do conhecimento e não necessariamente o lucro. No entanto, os cientistas deveriam procurar adquirir habilidades empreendedoras, pois elas são essenciais para transformar seus projetos de pesquisa em soluções eficazes e inovadoras para os problemas do mundo.

O mesmo vale para os executivos, que poderiam aprender com os cientistas a:

  1. A busca constante por novos conhecimentos: os cientistas são constantemente em busca de novos conhecimentos e descobertas, e esta busca é o que os move a realizar suas pesquisas. Isso pode ser conflitante com práticas do mundo corporativo, onde a busca por resultados imediatos e lucro pode impedir a dedicação a longo prazo para realizar pesquisas. No entanto, os executivos deveriam procurar adquirir essa busca constante por novos conhecimentos, pois ela é essencial para a inovação e o sucesso a longo prazo da empresa.
  2. O espírito crítico: os cientistas são treinados para questionar tudo e questionar continuamente suas hipóteses e descobertas. Isso é fundamental para a ciência, pois é a única forma de avançar e chegar a novos conhecimentos. No entanto, essa prática pode ser conflitante com práticas do mundo corporativo, onde as empresas podem se sentir ameaçadas por essa crítica constante. Os executivos deveriam procurar adquirir esse espírito crítico, pois ele é essencial para identificar problemas e oportunidades para inovação.
  3. Trabalho em equipe: os cientistas trabalham em equipe, colaborando e compartilhando conhecimentos para alcançar seus objetivos. Isso é essencial para a ciência, pois é a colaboração que permite a realização de pesquisas cada vez mais complexas. No entanto, essa prática pode ser conflitante com práticas do mundo corporativo, onde a competição interna pode ser incentivada. Os executivos deveriam procurar adquirir a capacidade de trabalhar em equipe, pois ela é essencial para alcançar resultados e aumentar a eficiência.

Essas diferenças podem ser exacerbadas por diferenças culturais entre cientistas e executivos de diferentes países, mas assim como é possível achar solução para as diferenças entre os setores de produção de conhecimento, também essas barreiras podem ser superpostas. E é fundamental que seja, porque a colaboração internacional é fundamental para que não sejamos limitados por limitações em competências específicas ou infraestrutura para pesquisa e desenvolvimento.

Todas as empresas são multinacionais, todas as universidades estão se tornado e todas as startups já nascem multinacionais.