Por Mauro Rebelo

Como escrever relatórios de projetos científicos

scientist-at-work-2021-09-24-02-40-51-utc

Para cientistas que chegam ao mercado depois de serem treinados pela academia, a comunicação dos resultados dos seus experimentos e pesquisas é um grande desafio.

Eles continuam preparando textos e relatórios para as bancas de mestrado e doutorado com as quais conviveram toda sua vida acadêmica, mais preocupado com a crítica dos seus pares do que com a funcionalidade dos seus produtos.

Mas na indústria é diferente: o mais importante é a funcionalidade. Por isso, o gestor que acompanha o desenvolvimento dos projetos é um generalista e não um especialista na área. Ele acompanha projetos de todo tipo: de informática à engenharia civil e elétrica, da agricultura à saúde, de negócios à biotecnologia.

O gestor generalista não é um dos pares do cientista e não vai julgar tecnicamente os seus resultados e nem avaliar a viabilidade deles. O julgamento, na indústria, não é por pares, é pela tecnologia: funciona x não funciona.

Foque nos resultados

O relatório deve, então, focar nos resultados obtidos, na redução de risco, tecnológico e de mercado, do produto final. O relatório, nos projetos com desenvolvimento ágil, deve ainda atualizar a visão do produto e o roadmap tecnológico para alcançá-lo. Não é necessário conter os detalhes metodológicos para reproduzir os experimentos, ou mesmo para julgar se a maneira pela qual os resultados foram obtidos é válida, ou a melhor.

Mas isso não quer dizer que essas informações não sejam importantes. um desenvolvimento de produto baseado em ciência continua tendo que respeitar o método científico e a reprodutibilidade dos resultados continua sendo a métrica mais importante desse processo. Por isso eles têm que estar muito bem documentados em processos internos e ligados ao relatório de progresso de forma a permitir que o resultado final seja rastreado até o conjunto de dados primários que permitiram a sua interpretação.

O relatório final é como a ponta de um iceberg (ainda que a metáfora perfeita seja um fractal invertido, no qual ao invés de um ponto levar a diferentes geometrias, são essas diferentes dimensões fractais que se concentram em um artefato: o relatório), que pode ser construído na forma de hipertexto, com links para esses documentos que detalham as conclusões ou metodologia dos experimentos.

A estrutura deve ser objetiva e clara

Finalmente, a estrutura do documento deve permitir 4 diferentes tipos de leitura.

O resultado deve ser resumido em uma sentença (40-50 palavras), um parágrafo (100-200 palavras) e uma página (500-700 palavras), com até uma figura e uma tabela. A quarta leitura são os materiais suplementares, conectados na forma de hipertexto, que permitem ao leitor aprofundar a leitura nos detalhes metodológicos.

A redundância entre a sentença, o parágrafo e a página é desejável, fortalece a coerência e a compreensão.

Essa estrutura de relatório, com foco na objetividade, na concisão e na clareza, tira o peso da compreensão do texto do leitor (ou gestor) e passa para o autor (ou o pesquisador), que é como deveria ser.

Essa estrutura é difícil para os cientistas treinados na academia. Primeiro pela falta de prática, já que as dissertações e teses, sem limite de palavras, permitem abusos na extensão do texto que não contribuem para a clareza e a objetividade. Segundo, pela dificuldade de abrir mão dos resultados e dos detalhes dos experimentos que, na opinião deles, são o que demonstram seu diferencial competitivo. Mas ela é do interesse do autor pesquisador, porque favorece a compreensão do leitor. E que autor não quer ser compreendido?!

Revisão, validação e aplicação

A transição da revisão por pares para a validação pela tecnologia é dolorosa para o pesquisador. O primeiro passo é entender que a opinião de um revisor, por mais especialista que seja, não é um dado. Não é uma evidência do método científico. A maior validação que pode haver para uma pesquisa, é a sua conversão em tecnologia e a sua aplicação no mundo real.